publicado por Helder, em 12.11.10 às 18:36link do post | favorito

Eu poderia dizer que apesar dos arautos de liberdade que este nosso séculozito XXI parece ter atingido, vivemos numa distopia Orwelliana camuflada, numa realidade controlada ao mais ínfimo detalhe para nos manter na corrente de pensamento vigente, sem dar-mos por isso e vivermos incautos e felizes as nossas existências.

 

Podia, mas soaria demasiado cliché, a ideia já não é nova e o filão já deve ter sido suficientemente bem explorado pela literatura, música, cinema e demais artes. Para além que, de facto não acredito verdadeiramente nisso. Contudo gosto sempre de idealizar cenários hipotéticos e quanto mais sombrios melhor.

O livro “Nineteen Eighty Four” de George Orwell é uma referência incontornável na minha modesta prateleira. Orwell, homem de vincadas convicções políticas, imaginou uma sociedade autoritária, na qual o poder (como aliás, em qualquer outra) era obtido pela combinação do medo, ignorância e ódio.Mas a IngSoc leva as coisas ainda mais longe do que qualquer regime que exista. Ao lado deles, Mao Tse-Tsung, Estaline e compinchas são uns meninos. Não se limitam a controlar os actos dos seus concidadãos, aventuram-se também nos pensamentos. Ao providênciar a figura do grande líder que todos devem amar (O Big Brother, e depois há gente que estranha que eu não goste do programa!), e o mesquinho rival para odiar (Goldstein), para além de um nova língua (o Newspeak) que pretende ser o mais simples possível e eliminar toda e qualquer palavra que remeta aos conceitos de resistência, liberdade e similares e até a repressão do próprio instinto sexual, exercem um controlo total no espírito crítico, que qualquer um prontamente nega as leis da Física de um dia para o outro, a história é reescrita como ao Big Brother aprouver sem qualquer objecção. 2+2 hoje podem ser 5 e amanhã 6. Aliás, amanhã todos jurarão a pés juntos que 2+2 sempre foi 6, nunca na vida 5, quanto mais 4. O ser humano deixa de o ser para passar a ser uma amorfa multidão em falsa concórdia, uma espécie de gado.


Em todas as casas, pelo menos um tele-screen. Ou mais. É melhor e o Big Brother gosta mais de ti. O malfadado dispositivo idealizado por Orwell, tem duas grandes finalidades: emissão televisiva constante com propaganda (e não, não pode ser desligado nem mudar o canal!) para a rotineira lavagem cerebral, e controlo e vigilância 24h por dia, fruto da câmara e microfone incorporado. O fim da privacidade. Só é pena que ainda não leia os pensamentos, mas eventualmente os engenheiros do Big Brother lá chegarão.


E aproxima-mo-nos assim do busílis da questão: A privacidade que deixou de existir em Airstrip One, Oceania, 1984, também nesta primeira década do novo século está a desaparecer. E por voluntária vontade dos comuns mortais, devo acrescentar. Sim, meus amigos, é agora que vou dizer mal do Facebook!

 

O Facebook não é a primeira rede social da Web, mas é a primeira que atinge proporções mediáticas tão grandes, que me começo a questionar se o mundo não estará a ficar louco. Essa coisa -tenho que reconhecê-lo- causou a maior agitação por toda a World Wide Web desde a introdução do conceito da Web 2.0 e nem o Dalai Lama, nem a rainha Isabel II parecem escapar a esta febre pandémica, que a meu ver se afigura como uma ameaça mais séria à ordem mundial que a gripe suína. Nos dias que correm, toda a gente “tem” que ter um perfil na coisa, caso contrário passa a ser uma anomalia no sistema, um glitch incómodo à espera de ser solucionado. Porque a pergunta que eu faço é “Por que raio devo eu ter Facebook?” e a restante matilha pergunta exactamente o oposto, “Porque raio é que não hás-de ter Facebook?”. E assim temos milhões de pessoas viciadas em “likes”, em "walls", em álbuns de fotos de momentos entre amigos partilhados com uma audiência de milhões, em jogos que de tão básicos, pouco desafiantes e desinteressantes recuso-me a reconhecê-los como jogos com jota grande, e sei lá que mais. No meu tempo havia formas tão interessantes de se perder tempo em frente a um computador! Como não sou utilizador da dita rede, posso olhar para ela com algum distanciamento, e de facto quando vejo “through the looking glass” não me parece ver uma rede social, mas uma massiva base de dados de detalhes insignificantes por si só, mas que no compto total, permitem estabelecer tendências e padrões sobre todos nós, um útil catálogo para qualquer empresa de consultoria, marketing ou mesmo governos e suas agências dúbias. O CIA World Factbook parece coisa do passado, e as teorias da conspiração absurdas que a NSA tentava controlar e espiar por toda a Internet ganharam uma nova forma no presente. Eles agradecem a todos vós por terem agregado tamanha base de dados num só local, o que lhes facilitará a tarefa. Se vivemos na sociedade da informação, e informação é poder, porque soará tão estranho ao meus caros leitores, que a informação seja a nova divisa? Pois ela é deveras a nova moeda, da qual inadvertidamente resolvem abdicar e oferecer ao Sr. Mark Zuckerberg, fazendo dele o mais jovem bilionário de sempre.

 

Haverá ainda privacidade? Terá a influência do Facebook limites? Estará neste momento uma agência governamental de contornos turvos a construir um supercomputador do tamanho da Escola de Ciências da U.Minho para avaliar o coeficiente de correlação de pessoas que excluem a carne de porco da sua dieta e gostam de construir engenhos nucleares artesanais como passatempo? Será este post todo uma parvoíce pegada? São tudo questões a carecer de uma boa resposta. Existe porém uma certeza reconfortante: O Big Brother ama-nos e nós a ele!

 

Nineteen Eighty-Four

Ladies and gentlemen, without a safety net,

I shall now perform an Orwellian flip-flop,

I shall now amputate, I shall now contort,

Because down is the new up! What is up, buttercup?

 

 

 

 

 

 


sinto-me: muito filosófico...
música: The Velvet Underground- Femme Fatale

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