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publicado por Helder, em 06.12.10 às 16:05link do post | favorito

Comemorou-se recentemente uma mórbida efeméride: À 30 anos atrás, no fatídico dia 4 de Dezembro de 1980, morria o primeiro-ministro de Portugal Francisco Sá Carneiro, num trágico acidente de aviação a bordo do pequeno Cessna. Com ele seguiam a sua companheira Snu Abecassis, o ministro da Defesa Adelino Amaro da Costa e sua mulher, o chefe de gabinete do primeiro-ministro e os dois pilotos. Todos morreram também. De facto, deste incidente, nada há a comemorar.

 

Depois da inesperada tragédia, do incontornável celeuma político e social que se seguiu, do homem que era Sá Carneiro, passou a existir somente o mito. O mito é algo genuinamente português, tem traços de sebastianismo indeléveis. Sá Carneiro era o filho pródigo da nação que iria conduzir o povo à terra prometida, exultado post-mortem por todos, mesmo os antigos adversários políticos, e que havia de forma vil e cobarde sido assassinado e impedido assim de cumprir o seu destino. Mais coisa, menos coisa é isto que ainda passará pelas sinapses de muito boa gente até nos nossos dias. Temos sempre as pessoas em muito boa conta quando estão mortas; os vivos é que são todos uns energúmenos.

 

Longe de mim querer julgar o carácter político de Sá Carneiro, até porque não sinto ter legitimidade para o fazer. Sá Carneiro foi um político num Portugal distante que já não existe mais, um país que nunca conheci. Mas, e julgo que aqueles que me leiam entenderão, não será já demais os enaltecimentos, homenagens e demais elevações daquela alminha à categoria de semi-Deus e salvador da pátria? Periodicamente, o próprio partido que Sá Carneiro criou, traz de volta a mesma lenga-lenga para os eleitores mais nostálgicos, usando a memória do dito-cujo como estratagema político.

 

No entanto, devo dizer que não sou completamente adverso ao mito. Se pensarmos na faceta mais pessoal de Sá Carneiro, a sua relação extra-conjugal com a sueca Snu Abecassis, que ele não fazia intenção de esconder de ninguém e levou avante contra tudo e contra todos, num pequeno país ao mar plantado, conservador e católico, no início da década de 80, aí sim, o mito tem o seu quê de fascínio e podemos pensar nele não como um político, mas um interessante ser humano.

 

No fundo, o que acho é que ao fim de todos estes anos já era hora de o estado português cumprir o seu dever para com Sá Carneiro, Amaro da Costa e restantes vítimas. Ou seja, apurar a verdade e nada mais que a verdade deste imbróglio. Um primeiro-ministro morre em circunstâncias dúbias e ao fim de 30 anos, 8 comissões de inquérito de iniciativa parlamentar, a própria prescrição do eventual crime, não se sabe se foi um acidente ou um atentado. Sá Carneiro é o J.F.K português, com a agravante diferença que pelo menos os americanos arranjaram um bode expiatório para o caso. Deram-lhe a chamada closure, a qual as teorias da conspiração puderam dar o seu seguimento, mas pelo menos, existe a tal explicação oficial e o fantasma de J.F.K no espectro político amansou. O mesmo não pode ser dito do caso Camarate, tendo o fantasma de Sá Carneiro sido invocado de tempo a tempos à esfera política.

 

Fala-se actualmente na constituição de uma nova comissão de inquérito, desta feita seria a nona, para esclarecer o caso de uma vez por todas. Enquanto aplaudo a incessante busca pela verdade, não deixo de me questionar, se de facto ela for encontrada, o que faremos? Os crimes prescreveram.

 

Depois penso que à sua maneira, a maioria de nós, vulgares cidadãos, já chegou a alguma versão aproximada da verdade. A minha é assim:

 

Em primeiro lugar, sim foi um atentado. Sá Carneiro contudo, estava simplesmente na hora errada, no sítio errado. O verdadeiro alvo do engenho explosivo implantado na pequena avioneta era Amaro da Costa, o ministro da Defesa. O primeiro-ministro pretendia ir para o Porto para o comício do candidato presidencial apoiado pelo seu partido com as presidenciais à porta. Candidato esse que segundo Vasco Pulido Valente “tinha o encanto político de uma lista telefónica”. Pela primeira vez concordo com ele, mas é engraçado notar que mesmo pode ser dito acerca do amigo Vasco enquanto comentador político. Mas voltando ao que interessa, Sá Carneiro iria ao Porto para tentar o impossível, salvar o candidato presidencial de uma derrota mais que certa contra Ramalho Eanes. E para esse efeito tinha reservado voo na TAP, só tendo à ultima hora e a convite de Amaro da Costa decidido embarcar no Cessna. Era Amaro da Costa quem estava previsto ir naquele avião.

 

Em segundo lugar, Amaro da Costa vivia visivelmente assustado nas últimas semanas, tendo sido mesmo visto levando para toda a parte que ia, um revólver. E Amaro da Costa não era uma pessoa que normalmente andaria armada, muito pelo contrário. Isto é que nos conta Freitas do Amaral, ministro dos Negócios Estrangeiros na época. Ao que parece, o ministro da Defesa estaria a investigar um dossier particularmente soturno que envolvia um fundo de milhões de contos das forças armadas, criado para financiar a guerra colonial, fundo esse que curiosamente ainda se mantinha em pleno ano de 1980, findada estava a guerra e o regime autoritário. Alguém no seio dos militares, certamente alguém com uma patente elevada, estava a usar o dinheiro desse fundo e o bom nome do estado português para um esquema de tráfico de armas com clientes como o Irão, a Líbia e a Indonésia, países pouco recomendáveis . É esta a verdade com que se deparou Amaro da Costa e a razão pela qual tinha que ser silenciado. E assim foi, embora com danos colaterais algo inesperados como a morte do primeiro-ministro.

sinto-me: Triste com o país
música: Pink Floyd - Learning to Fly

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